Imagine uma espera de quase seis anos. Nesse período, ver exatamente nove goleiros tendo suas oportunidades. E, quando pense que sua hora chegou, mais um novo concorrente é contratado. Essa foi a rotina de Julio Cesar. De 2004, quando começou a integrar o elenco de profissionais do Corinthians, até este Campeonato Brasileiro, quando se transformou em titular absoluto e um dos destaques da posição no País.
Julio precisou esperar sua chance enquanto viu jogar Fábio Costa, Rubinho, Marcelo, Tiago, Johnny Herrera, Sílvio Luiz, Marcelo, Jean e por fim Felipe. Quando achou que seria o camisa 1, viu a direção contratar o paraguaio Bobadilla. Sem problemas para Julio Cesar, que surpreendentemente se transformou em um dos destaques da campanha que, no próximo domingo, pode acabar em título. Graças a ele, o reforço estrangeiro sequer teve um minuto de jogo.
A reviravolta conseguida por Julio Cesar, que chegou a perder a posição de goleiro para Rafael Santos durante o Paulista, mostra um profissional dedicado. Julio é daqueles jogadores que jamais fazem bico. Na adversidade, preferem trabalhar mais e deixar que a sorte faça sua escolha. A do camisa 1 corintiano, independente do título que pende para o Fluminense, já foi selada.
Confira a entrevista de Julio Cesar na íntegra:
Terra - Foram mais de cinco anos na reserva esperando por um momento em que seria titular. Como era lidar com a expectativa por tanto tempo?
Julio Cesar - A ansiedade é grande mesmo, passam muitas dúvidas e tem aqueles porquês na sua vida em que você não sabe quais serão as respostas. Mas sempre confiei no meu trabalho, que fazendo as coisas certas seria recompensado. A gente nunca sabe nosso futuro, mas podemos trabalhar para deixá-lo melhor. Sempre fiz isso, trabalhei para que pudesse melhorar e hoje estou colhendo os frutos.
Terra - Durante esse tempo todo, você pensou em sair do clube? De repente ser emprestado para poder jogar.
Julio Cesar - De concreto mesmo, nunca tive proposta. Já houve vezes em que me deu vontade de sair sim, porque você não sabe como vão ser as coisas e jogador quer jogar. Ainda bem que tive paciência, familiares, esposa e amigos do meu lado.
Terra - O que você aprendeu durante tanto tempo na reserva?
Julio Cesar - Aprendi que na vida tem que esperar bastante, jogador se faz com sequência de jogos mesmo e não adianta querer ser grande jogador entrando e saindo. Ter paciência e espírito de grupo, porque só se conquista as coisas juntos. Nesses anos, mesmo não jogando, sempre me senti importante no elenco. As pessoas me davam força, confiança, moral. Você tem que ter paciência e se preparar. Se só reclamar e não trabalhar, você deixa escapar a oportunidade.
Terra - A relação do goleiro com a reserva é muito diferente, também.
Julio Cesar - Goleiro tem que ter mais paciência que os outros. Um atacante improvisa no meio, um lateral de volante, goleiro não tem improvisação e só joga um. Até hoje passaram grandes goleiros por aqui e tive que esperar minha oportunidade. Então sempre aprendi que é diferente, se é jovem ainda tem espaço para esperar porque a carreira de goleiro é um pouco mais longa.
Terra - Você sentia que era a última chance de ser titular do Corinthians?
Julio Cesar - Ainda bem que sempre fui tranquilo e não tinha essa pressão comigo, mas claro que você pensa que uma sequência de jogos dessa é para se firmar realmente ou não ficar mais no clube. Sabia que era a grande chance da minha vida e dificilmente teria outra, estava concentrado para que essa oportunidade viesse. Não se pode dizer que era a última porque você não sabe o dia de amanhã, mas era a grande chance.
Terra - Como você se sentiu quando o Felipe saiu e o Bobadilla foi contratado?
Julio Cesar - É difícil, porque você espera que o reserva imediato assuma quando sai o titular. Contrataram um goleiro experiente, ótima pessoa e ótimo goleiro, mas a sorte é que tive esses cinco jogos. Mantive uma sequência, comecei muito bem com o Ceará e fui me firmando. Goleiro é oportunidade e, tenho certeza, que se o Bobadilla tivesse jogado iria aproveitar. Mas a oportunidade estava nas minhas mãos e então eu tinha que aproveitar.
NR: O paraguaio Bobadilla foi contratado em julho, mas por atuar no exterior só poderia realizar a estreia em agosto. Foi nesse hiato que Julio Cesar entrou e não saiu mais do time.
Terra - Também houve um momento no Paulista em que o Felipe estava fora, você não foi bem e o Mano utilizou o Rafael Santos por alguns jogos. Foi um tempo difícil para você?
Julio Cesar - Goleiro tem que se preparar para tudo. O Rafa é outro excelente goleiro, grande amigo e aproveitava a oportunidade dele. Todos querem espaço. Foi um momento difícil porque você quer jogar, saiu o Felipe e joga outro. Você tem que encarar, nem com naturalidade, mas com muita sensibilidade.
É o momento que você pode jogar tudo para o ar. Foi quando tive que ter paciência, mas amadureci muito e aprendi a lutar pelo que eu queria, achava certo e quis conquistar. Outros teriam chutado o balde, pediriam para ir embora, mas tive a paciência e estou aqui para colher os frutos.
Terra - É complicado ficar muito tempo ausente e ter que mostrar tudo em um jogo?
Julio Cesar - Você tem 90 minutos para mostrar que merece jogar e se errar não tem jogo seguinte. Essa pressão é ruim, tem falta de ritmo também. É complicado.
Terra - Em 2008, você também teve a chance de jogar na Série B, mas não convenceu. Qual a diferença entre o Julio daquele momento e esse de hoje?
Julio Cesar - Achava que experiência é puro conto de fadas, mas não é. Hoje minha experiência é maior, tive jogos na Libertadores desse ano e a sequência no Brasileiro. Isso me fez mais maduro e tranquilo.
Naquela época buscava meu espaço, tem a família toda inteira atrás, todas as coisas que quero conquistar na minha vida...e você coloca tudo naqueles jogos em que está entrando. Hoje a diferença é tranquilidade, experiência e sequência de jogos.
Terra - Que diferença faz ter uma defesa tão experiente e que faz a bola chegar menos no seu gol?
Julio Cesar - Tenho certeza que se eles não fossem tão competentes, não iria colher esses frutos de hoje e ter essa sequência. O Roberto ajuda tanto, o William é experiente, Chicão e Alessandro também. O time todo ajuda, mas o pessoal de trás ajuda muito e isso é importante para um goleiro entrando e começando a se firmar. Eles têm muita parcela nisso tudo.
Terra - Especificamente sobre o William: em quais situações ele é importante para a defesa?
Julio Cesar - Tirando a qualidade dele que é muita, o que ele mais me ajuda é orientando. "Ajuda nisso, faz isso, quando acontecer isso faz isso". Então a orientação dele ajuda bastante. Infelizmente, ele vai se aposentar, mas fico triste e acho que ele poderia jogar mais. É uma escolha pessoal.
Terra - Você esperava ser indicado para o prêmio Craque do Brasileirão? Ficou frustrado?
Julio Cesar - Estou começando a jogar agora. O que mais queria era me firmar como titular. Fico contente de muitas pessoas lembrarem de mim e falarem que eu merecia, mas vai ter outros Brasileiros para que isso aconteça.
Terra - O que você achou dos escolhidos?
Julio Cesar - Os três que estão são merecedores. Na minha opinião, o Fábio merece e é o mais regular ao longo do campeonato todo. Victor e Jefferson estão na Seleção e dispensam comentários. Vou ter outros campeonatos para conseguir isso e hoje fico contente por ter me firmado. Mais pra frente penso em conquistas pessoais.
Terra - Em 2005, você estava no grupo que foi campeão brasileiro em Goiânia, onde o Corinthians joga no domingo. Se vier, o título deste ano terá um sabor diferente?
Julio Cesar - Fico contente pelo reconhecimento e o sentimento é totalmente diferente. Fui campeão brasileiro também em 2005, acho que joguei dois jogos no campeonato e estava em Goiânia. Nesse ano é diferente: por tudo que aconteceu na minha vida de 2005 até 2010, as reviravoltas que deram e eu podendo me firmar como titular. Se o título vier, será para coroar um ano muito bom, o melhor da minha carreira e espero para que seja fechamento de um ano feliz.
Terra - Está confiante na possibilidade de título?
Julio Cesar - Estou confiante, sim. O grupo todo está. Vamos fazer nosso papel e se não vencermos o jogo, não adianta nada. Então vamos vencer e torcer, que futebol só acaba depois dos 90 minutos. Não adianta querer achar quem vai ganhar ou perder, vai ser decidido em campo. Vamos esperar o resultado e ganhar nosso jogo para quem sabe comemorar.
Terra - Mesmo se não for campeão, você fica com um sabor de vitória pessoal por este Brasileiro?
Julio Cesar - Saio com um gosto de dever cumprido. Claro que sendo campeão será muito mais interessante, mas sabemos que está mais para o Fluminense, que está com tudo nas mãos para ser campeão. O time deles é competente e vai jogar em casa com o apoio da torcida. Vamos aguardar, mas já estou feliz pelo ano ter sido bom para mim.
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